Sobre o privilégio de ser professor

 Hoje tinha planejado um posto sobre tirar fotos ruins da Lua com a câmera do celular e como isso reflete a frustração de tentar encontrar beleza na vida e não conseguir, mas quando acabei de montar o meu tripé para tirar a foto o tempo terminou de nublar e não tinha mais Lua...

Esse vai esperar mais um pouco.

Vou compartilhar com vocês por aqui então um dos textos que mais gosto de ter podido escrever, tanto pelo conteúdo quanto pelo contexto. 

Trata-se do meu discurso de paraninfo para os formandos do Ensino Médio do C. E. Clodomiro Vasconcelos em 2019.

"A mim hoje foi entregue a honra de ser seu Paraninfo. Hoje, no dia em que vocês se despedem do nosso colégio com mais uma etapa cumprida, coube a mim a honra de ser seu último professor. De dar a última lição antes que vocês partam em definitivo para o mundo lá fora.

Curiosamente eu tive o privilégio de ser professor da maioria de vocês ao longo dos três anos, e gostaria que vocês lembrassem de nossa primeira aula. Lá falamos que estudar a ciência é, antes de tudo, uma experiência de humildade. Lá vimos que a Terra é só mais um planeta no meio de tantos outros em nosso sistema solar, alguns até muito maiores. Vimos que o Sol é apenas mais uma estrela entre os bilhões de estrelas de nossa galáxia, a Via Láctea.

Não fosse o suficiente vimos ainda que a Via Láctea é apenas mais uma entre incontáveis outras em um universo que não só é imenso, como também está em acelerado crescimento desde sua origem.

Vivemos em um pequeno grão de poeira imperceptível na imensidão do espaço, há mais estrelas no universo do que grãos de areia em todas as praias do mundo.

Podemos fazer uma comparação simples: se a origem do nosso universo tivesse ocorrido às zero horas de primeiro de janeiro e condensássemos toda a sua história conhecida em apenas um ano, nossa civilização humana teria surgido apenas no dia 31 de dezembro às 23 horas, 59 minutos e 39 segundos.

Estamos juntos como humanidade neste grão de poeira geração após geração há apenas 21 segundos. Neste breve tempo fomos capazes de coisas maravilhosas e de coisas terríveis. Feitos impressionantes para pequenos primatas que aprenderam a andar eretos e utilizar ferramentas há tão pouco tempo.

Mas não se enganem.

Sim, somos breves, pequenos, mortais, insignificantes. Perto da imensidão do universo nossa existência não é sequer perceptível. Mas temos algo de grandioso: Temos uns aos outros.

Vivemos em um pequeno grão de poeira, mas é o nosso pequeno grão de poeira. Neles estão todos os nossos sonhos, nossos medos, nossas aspirações, tudo que nos fornece sentido para nossa existência, e isso não é pouca coisa. Não podemos olhar para o céu em busca de conforto e esperança, devemos encontrar isto nos olhos uns dos outros.

Infelizmente à geração de vocês foi dado viver em um mundo que já começa a dar sinais de esgotamento, uma natureza que já se mostra em muito desequilibrada pelas ações humanas. Vivemos aqui há tão pouco tempo, mas já somos capazes de provocar mudanças irreversíveis na superfície e na atmosfera de nosso planeta.

Mais do que isso, a vocês foi dado viver sua juventude em um mundo onde valores como respeito aos direitos que são absolutos e inegáveis de qualquer ser humano são questionados como se fossem mera formalidade. Como se o direito que cada um tem de estar vivo e poder viver de maneira plena fosse um privilégio para poucos.

A geração de vocês enfrentará desafios nunca imaginados, e espero que façam isso de cabeça erguida. Quando nos despedirmos hoje será a vez de vocês consolidarem a trajetória de luta que começaram na segurança da escola, agora em ambientes mais desafiadores: a universidade, o trabalho. O mundo de verdade.

Eu gostaria de poder hoje oferecer a vocês a perspectiva de um mundo melhor, gostaria de poder dizer que vai ficar tudo bem e dar a vocês o melhor dos mundos, mas infelizmente não posso.

Mas está ao meu alcance fazer algo diferente.

Não faz parte do privilégio que temos como professores oferecer a vocês o melhor mundo, mas podemos oferecer ao mundo o nosso melhor: Vocês.

Voem, jovens, voem!"

Todos os dias me lembro do privilégio de ter feito uma escolha tão boa de carreira.

Postado após (re)assistir "Eletric Dreams", série original da Locadora Azul.