Sobre cuidados com a casa como uma forma de autocuidado

ou Sobre lavar uma pilha de louças e outra de pensamentos.

Não serei hipócrita. Nunca gostei de tarefas domésticas. Para o bem da verdade sempre que a coisa é algum tipo de "tarefa" geralmente já começa a atacar a alergia.

Para além de toda a reflexão mais simples de que como homem de fato não é esperado que a organização das tarefas diárias da casa parta de mim, fica um outro tipo de sentimento que tenho tido nas últimas semanas e gostaria de compartilhar.

Fui casado durante os últimos dez anos. Durante este tempo por mais que, não sendo exatamente um completo idiota, eu sempre buscasse dividir as tarefas de uma maneira mais ou menos igual pude aos poucos aprender que mais do que o fazer as coisas em si, cuidar da casa demanda toda uma energia mental despendida nos processos de decidir o que fazer e quando fazer. E sendo bastante honesto essa parte eu nunca fiz (eu disse que eu não era um COMPLETO idiota e não que não fosse pelo menos um pouco).

Agora que estou só às vezes me pego olhando para as paredes e refletindo que elas são o que me sobrou. E refletindo sobre isso vejo que, aos trinta e dois anos, nunca tendo dedicado um segundo da minha vida ativamente a gerenciar uma casa, por mais que eu saiba as coisas que tem que ser feitas elas nunca são feitas direito ou da maneira correta.

Pensando ainda mais sobre o assunto notei que é como se eu tivesse paredes ao meu redor mas não uma casa. Não um lugar que me suscitasse algum sentimento de pertencimento mas apenas um teto sob o qual dormir. É um sentimento bastante incômodo.

Buscando uma saída rápida e prática me arvorei na quantidade de compromissos de trabalho que em geral tenho para dizer: "Bem, preciso pagar alguém para fazer isto!". E assim o fiz.

Melhor decisão. 

Não que eu tenha ficado satisfeito com o trabalho, muito pelo contrário. Apesar de a casa ter ficado muito limpinha, a quantidade de coisa feita errada me aborreceu de um jeito que foi até divertido. 

Melhor decisão porque eu pude chegar a outra constatação: Se a casa é minha cabe a mim cuidar dela. E decidi de fato assumir que esse compromisso é meu e de mais ninguém.

Aí chegamos ao título do post.

Paradoxalmente, apesar de odiar todas as coisas que tenho que fazer agora, fazê-las tem me dado um sentimento muito bom. Simplesmente colocar um fone no ouvido, uma playlist legal pra tocar, e ir fazendo as coisas sem pressa. Apenas curtindo a casa e a sensação das coisas indo para o lugar.

À rotina de cuidar das plantas e dos gatos tenho adicionado sempre às minhas noites o cuidado com a casa, e como isso tem sido bom.

São coisas chatas de fazer, mas ao mesmo tempo que vejo tudo indo para o lugar na casa, vejo a casa indo para o lugar em mim. Se eu quisesse ser bastante profundo agora eu diria que é como tem um pouco da sensação de que nós também somos a casa. Mas seria besteira sem sentido. A ideia que quero passar aqui é que é possível encontrar um ponto de equilíbrio em muitos lugares, e o cuidado com o que nos cerca é um deles.

Ao retirar umas mudas de ixora do meu quintal para colocar em um vaso ontem eu me perguntava qual é a diferença entre aprisionar e cultivar. Talvez a diferença esteja apenas no carinho e no cuidado.


Lavem sua louça!


Postado após assistir "Questão de Tempo" (2013) do britânico Richard Curtis. Disponível na Biblioteca Vermelha.




Cena Pós-Créditos: Apesar de minha casa nesses dias ter estado mais limpa e organizada do que nunca, o que me dá uma satisfação enorme, meu quarto está uma zona: pilhas de livros na minha mesa e roupa lavada em cima da cama a mais de duas semanas e um varal de chão com roupa seca a mais de três dias. Gosto de pensar que esse é o cantinho escuro e bagunçado da cabeça onde gosto de me refugiar para pensar e que não deixo ninguém ver ou entrar.

Comentários

  1. Organizar fora nos dá um pontapé para organizar dentro como que um reflexo por mais sem sentido que possa parecer!
    Se preocupar com o fora é uma forma de também olharmos pra dentro e refletirmos o quanto devemos mudar e melhorar!

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