Contraria sunt Complementa (Parte 1)




Sempre foi uma pergunta recorrente, principalmente entre ateus relutantes e agnósticos, o questionamento de se Deus seria real ou estaria apenas dentro da nossa cabeça.

Depois de tanto remoer pensamentos, nem sempre agradáveis, podemos chegar a uma resposta que parecia pairar no ar o tempo inteiro: Sim, ele está apenas dentro de nossa cabeça. Mas logo em seguida devemos fazer uma segunda pergunta: isto o torna menos real? Afinal de contas, se olharmos para tudo em nossa visão de mundo, desde os sentimentos mais abstratos até aquela topada dolorosa com uma pedra no caminho, em última instância todas as nossas percepções não estão dentro do domínio da nossa mente?

O questionamento de Berkeley sobre o fato de todas as sensações e sentimentos humanos serem sempre objetos do domínio da mente não necessariamente precisa ser encarado como uma inocente negação da existência da realidade objetiva para além dos domínios da imaginação humana. Afinal de contas, se àquelas coisas que se passam apenas em nosso pensar não pudermos, de alguma forma, atribuir existência, não poderemos sequer atribur o existir ao nosso próprio corpo e, como bem disse Nietzsche, o "cogito ergo sum" do racionalismo clássico deverá ser reduzido a não mais do que um "cogito ergo cogito".

Deus está apenas na imaginação? Sim. Isso faz com que ele não seja algo real? De maneira alguma!

Um dos exercícios de pensamento mais interessantes e, ao mesmo tempo, difíceis de ser executado é o de perceber que conceitos que, em princípio, são contrários não precisam ser necessariamente excludentes, sendo estes na maioria das vezes complementares.

Numa primeira abordagem desta forma de princípio da complementaridade social poderíamos observá-lo como sendo a força motriz que faz com que todas as grandes dicotomias do pensamento humano cedo ou tarde recaiam em uma síntese. Assim foi com o idealismo e o realismo em Kant, assim foi com o racionalismo e o empirismo em Popper. Aprendemos com a filosofia que o mundo não se resume a teses e antíteses, há um papel importante e especial para a síntese. Este papel vai além da falácia aparente da simples conciliação entre caráteres díspares, ele nos mostra que esta é capaz de muito agregar ao nosso conhecimento e contribuir de maneira ativa com  formação de nossa visão de mundo acerca dos mais diversos aspectos.

Aquele que diz que Kant é apenas uma conciliação entre o idealismo e o realismo das duas uma: Ou está sendo perigosamente ingênuo ou nunca leu a obra deste pensador.

Nestes próximos posts tentarei mostrar que é não apenas possível mas também em muito agregador de valor e significado estabelecer uma síntese entre a ideia ateísta da não existência de um Deus externo ao homem e a posição dogmática do motor imóvel, chegando à possibilidade de um Deus interior ser tão real quanto um criador do universo, uma vez que este a cada momento recria o ser humano nos mais diferentes momentos de sua vida.


Na parte 2 explicarei a ilustração e falarei sobre o Princípio da Complementaridade da mecânica quântica e no quanto essas ideias são indispensáveis para nossa visão contemporânea do mundo físico.


Postado ao som de "Vivaldi's Winter" - Versão Darkmoor.

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