Uma última batalha

Pouco há que se compare ao calor de uma batalha. Pouco há o que se compare a sentir o sangue correndo pelas veias e o frenesi guerreiro tomando conta do seu corpo.

Há aqueles que olham para uma batalha e vêem apenas carmificina e sangue jorrado numa violência descabida, mas definitivamente ele não era um deles. Ele sabia muito bem o peso de uma injúria mal resolvida e de um mal não remediado.

Sabia ainda que poucos são pacifistas por opção, muitos o são por covardia.

E foi com esses pensamentos em mente que adentrou seu campo de batalha. Não vestia mais do que uma velha cota de malhas e não carregava mais do que sua espada.

Não... Escudos já não faziam sentido quando se precisava de força total, e elmos apenas atrapalham a visão quando a concentração e os reflexos podem salvar sua vida mehor do que um pedaço de metal...

E assim ele encarou a morte, da mesma forma que encarava a vida: sem medo e sem arrependimentos. Muitas vezes já vertera sangue alheio, mas um sem número de ocasões também derramara seu próprio. Era o tributo caro cobrado pelos deuses da guerra e as marcas de sua devoção estavam estampadas em cada centímetro de seu corpo em profundas e gloriosas cicatrizes. Não são muitos os que sobrevivem a tantas batalhas, e ele de verdade nunca havia se sentido muito próximo da morte até aquele dia.

A própria manhã que antecedeu aquele longo derramamento de sangue já havia sido de maus agouros... E agora mesmo antes de cruzar espadas com seu primeiro oponente sabia que seria sua última batalha. Mas isso não o intimidava, o tornava mais forte.

Nascera par isso, para morrer em combate.

Já não enxergava seus compatriotas no campo da disputa, o sangue lhe cobrira o rosto transformando tudo em vultos. Sua espada lhe guiava, assim como havia aprendido e aprimorado há tanto tempo e ele sentia a pilha de corpos crescer ao seu redor. O cheiro do sangue o inebriava e fazia esquecer de tudo.

Já não podia mais andar, um grande ferimento em sua perna direita fazia com que até mesmo ficar de pé fosse custoso. Mas ele não podia simplesmente cair e morrer... não sem antes erguer uma muralha de inimigos ao seu redor, um monumento fúnebre à sua coragem e bravura. Um último sacrifício em honra de todos os companheiros caídos.

Já não sentia mais as dores, não sentia mais sua carne sendo perfurada e cortada, sentia apenas o fio de sua espada, e cada gota de sangue inimigo que espirrava em sua armadura. Acima de tudo ele era um guerreiro.

Já não se recordava mais das razões da batalha, mas isso não mais lhe importava. Fosse justo ou injusto ele estava apenas cumprindo seu papel e fazendo o que nascera para fazer. Ele gostava dessa sensação. Sentia-se completo como nunca sentira e pôde perceber o quanto abençoado estava sendo em seus últimos momentos de glória.

Agora já não via mais nada. Cessaram-se os vultos. Agora já não sentia mais nada. Cessara o dançar da lâmina. Uma última sensação, um último som. E ele ouviu um grito. Um grito terrivel e ameaçador, como se a própria Terra chamasse por sua alma e cobrasse o preço por tantas vidas ceifadas. Ele sabia que era uma dívida da qual não se foge. Então já não ouvia mais nada. Cessaram-se os gritos, cessaram-se as vozes. Agora já não sentia mais nada. O chão sobre seus pés parecia desaparecer e mesmo assim ele insistia em não cair...

E assim se foi... Morreu da mesma forma que viveu: Enfurecido. Morreu com o mesmo sentimento que viveu: Sem se arrepender pelo sangue derramado e sem temer pela abreviação de sua vida... Pois a vida era apenas isso, uma chance curta para fazer o que deve ser feito. E ele havia feito.

Comentários

  1. Adorei este conto, estranho que não teve um "som" específico para este post. Sem contar que seu gosto músical pelo vi até agora é ótimo, heh.

    -Pois a vida era apenas isso, uma chance curta para fazer o que deve ser feito. E ele havia feito. Isto não se adequa ao cotidiado daqueles que lutam todos os dias para sobreviver em meio a tanta correria? Deveríamos dar mais atenção a nossos desejos.

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