Sobre o Início e o Fim de todas as coisas

Estou sem ter muito bem o que escrever hoje, quem sabe um retorno do “Post não tão sóbrio de Sábado?”

Para ser mais honesto teria que se chamar “Post não tão sóbrio-mas-bem-mais-sóbrio-que-a-dez-anos-atrás de Sábado”, mas aí o título ficaria meio estranho...

Eu ainda não dormi então ainda estou com gosto de sexta, mas se  já passou de meia noite então teoricamente já é sábado. Então que seja.



Vamos lá, quem sabe mais uma história!

Quem sabe um pequeno conto!

E dessa vez quero levar vocês de novo para dentro da história.

 


Ela começa com um sonho.

Você está sonhando.

Neste sonho você está sentado no chão.

Tudo ao seu redor é escuridão. Mas não é uma escuridão que se caracterize pela simples ausência de luz. É uma escuridão quase palpável, uma que te faria pensar que a luz sim que é a falta de algo.

Uma escuridão tão plena que não te passa a sensação de que você não está vendo algo, mas sim de que nada mais existe.

Exato: Esta é a escuridão da Inexistência.

Após alguns instantes de angustiante sensação de olhar para este nada você percebe uma presença...

Uma velha...

Uma velha que não carrega simplesmente as rugas e o peso da idade humana, mas as rugas e o peso da idade do próprio Universo... Como se toda a existência possível pudesse ter sido testemunhada por seus olhos agora já esbranquiçados pela cegueira. Não uma cegueira de alguém que não enxerga, mas de alguém que já não tem mais nada para ver...

De alguma forma a velha olha em seus olhos e você sente sua presença ainda mais forte.

Ela começa a se levantar lenta e calmamente, com grande dificuldade começa a se mover.

Você pensa que ela virá ao seu encontro, mas ela lhe ignora, parece ver alguma outra coisa que te escapa à percepção, mas vai lentamente se movendo cada vez com mais desenvoltura.

Você percebe que a cada passo que ela dá suas rugas começam a ficar menos aparentes, como se seu movimento a fizesse rejuvenescer... Aos poucos seu movimento fica mais ágil e ela já não tem mais a aparência de uma centenária...

Conforme seus movimentos ficam mais firmes você percebe que há ali mais do que determinação, mas uma fluidez que transmite ao mesmo tempo paz e uma sensação de inevitabilidade.... E conforme ela se aproxima da meia idade seu movimento para bruscamente e você ouve algo pela primeira vez.

Um som sem origem distinta, uma música belíssima que parece vir de todos os lugares e de nenhum ao mesmo tempo... Uma música que vem de fora de você, mas que também vem de dentro de você...

E ela começa a dançar... Uma dança linda na qual seu olhar se perde e você se esquece da existência do próprio tempo e espaço, que ali naquele momento não fazem mais nenhum sentido...

Aquela música te preenche completamente, aquela dança te prende. Nada mais importa apenas testemunhar aquele belo espetáculo.

E a mulher se torna cada vez mais jovem perante seus olhos, com seus movimentos cada vez mais cheios de vigor e determinação.

E tudo acaba.

Você acorda.

Com o coração palpitando você ainda consegue sentir o sonho, como quando acordamos de um pesadelo, mas no lugar do medo e do pavor você está preenchido apenas de uma fascinação indescritível.

Antes que possa refletir sobre o que acaba de sonhar, porém, você adormece mais uma vez.

E mais uma vez está sentado no chão.

Mais uma vez uma escuridão te cerca.

Uma escuridão presente, uma perfeita expressão do Vazio.

Você tem a impressão de que se você se mover um centímetro pode cair naquela escuridão e simplesmente também deixará de existir.

Você busca em vão por algo além daquela escuridão profunda até que ouve algo.

Um choro.

Não um choro de tristeza ou emoção, mas o mais puro choro de um bebê. O choro de um recém-nascido, desta vez de alguém que não foi dado à luz, mas àquela já sua conhecida escuridão.

Você se levanta e tenta ir até ele, com o instinto de cuidar daquele ser indefeso. Mas de alguma forma você não consegue andar. Por mais que mova as pernas, por mais que tente, por mais que corra, a distância entre você e o bebê parece nunca diminuir.

Até que o choro passa.

Como que de um sobressalto você fica mais um vez atento. E percebe que a criança está crescendo. Perante seus olhos ele não é mais um bebê e começa a dar os primeiros passos.

Vacilante, porém resoluto ele segue em frente de maneira cada vez mais objetiva e não é mais uma criança, mas um adolescente, um jovem rapaz.

E quando o rapaz se aproxima de se tornar um homem seu caminhar cessa bruscamente e mais uma vez você ouve a música.

E ele começa a dançar. Os movimentos começam tímidos e sem muito jeito e conforme a maturidade lhe chega ao corpo tornam-se mais vigorosos e confiantes.

Neste ponto a dança lhe é cheia de vida e desejo e a música se torna cada vez mais alta, tão alta que lhe beira o ensurdecedor.

E isso mais uma vez te acorda.

Mais uma vez com a profunda impressão de ter testemunhado algo único e que você não sabe explicar bem...

E antes que pudesse tentar mais uma vez refletir você é tragado novamente pelo sono, quase que como uma força intangível te puxando de volta para o desconhecido.

E pela terceira vez você está no meio daquela escuridão.

Mas desta vez ela não é mais uma escuridão de Inexistência ou do Vazio, mas sim de acolhimento, como estar nos braços daquela que já lhe é conhecida.

Você desta vez está confortável e já sabe o que vai acontecer.

E eles surgem.

Um de cada lado seu eles surgem.

A Velha.

O Bebê.

E todo o processo que você já testemunhou antes recomeça.

A velha rejuvenesce.

O bebê cresce.

Ambos começam a se mover em um semicírculo até que se encontram frente a frente. Ambos com idades comparáveis.

E você sente o poder desse encontro.

A música começa e eles agora dançam. Você já sabia que isso aconteceria, mas com eles juntos a dança é diferente.

Você sente um tremor na escuridão. Como se aquela dança por si só fizesse o preencher o Vazio e criar algo da própria Inexistência.

Você se inebria com a beleza daquela dança e do som que preenche tudo ao seu redor. Não um som ensurdecedor, um som que te faz a própria audição ter razão de ser.

E você consegue sentir a plenitude do que eles sentem.

Você está feliz.

Até que acorda.

A luz do Sol brilha entrando pela sua janela.

Uma lágrima solitária escorre pelo seu rosto.

Não simplesmente por tristeza e sim por saber que não voltará a dormir.

Que não voltará para o sonho.

Mas você sente que de alguma forma e em algum lugar eles ainda estão lá...

Ele caminhando para o futuro...

Ela caminhando para o passado...

 

Mas a música não vai mais parar.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Vinte anos é muito [pouco] tempo...

Excertos de um quem flertou com o fim.

Elevar-se...